Eu imaginava as pessoas como separadas por categorias. "Ali vão os populares, ali estão os ricos, ali estão as gostosas, ali estão os pegadores, de resto, os medíocres...". Essa análise categorizadora separava as pessoas em caixas.
Cada caixa tinha toda uma historinha pra cada pessoa que fazia parte dela.
As gostosas eram lindas sempre, não tinham defeitos, eram populares, tinham mil caras atrás delas, não sofriam rejeição de ninguém e eram 100% felizes e faziam festa em todo lugar.
Os populares eram extremamente bem conectados, conheciam todo mundo e eram adorados por todos. O seu círculo era aonde estavam e sabiam conhecer novas pessoas como ninguém.
Os pegadores eram caras que se viravam em qualquer lugar, tiravam mulher com namorado e comiam, faziam horrores.
Os ricos eram pessoas que sempre estavam confortáveis, conseguiram a sua fortuna sempre através do seu esforço, eram trabalhadores 24/7 e eram extremamente dominantes. Ninguém mexia na sua realidade.
Já os medíocres são ex-sonhadores, que tiveram que amargar a derrota e sair do jogo, trabalhando em algum lugar que eles não gostavam, aguentando um chefe que leva eles à beira do suicídio, tiveram filhos por acidente e tem amigos que não gostam e que não gostam deles. São as "unthinking masses".
O problema disso é que essa visão era baseada na máscara apresentada por essas pessoas. Não via através dos panos, por trás dos bastidores, o que realmente acontecia. Não via os problemas. Aliás, eu "via os bastidores", só que na verdade era uma criação da minha imaginação baseada inteiramente na máscara. Uma versão idealizada, e longe, longe, longe, longe, da realidade.
Isso também fazia com que o meu estado fosse baseado em critérios ruins e totalmente instáveis, porque quando eu vi uma pessoa que eu achava de alto valor, meu estado baixava, quando eu via alguém de baixo valor, aumentava. O problema é que eu (e todo mundo), por causa do RAS (Reticular Activating System) tende a olhar pras pessoas de alto valor, então você acaba se sentindo ruim em quase todas as situações.
E mesmo a sensação boa que vinha de se sentir superior, durava pouco, e depois que acabava o efeito, dava síndrome de abstinência.
Um exercício bom para combater essa visão categorizadora e preconceituosa é reconhecer o que de igual se tem em cada pessoa. Mesmo que a reação inicial seja de: "ARGH, nunca que eu sou igual a esse cara", volte, olhe de novo. Se for um punk, você talvez inicialmente olhe para o cabelo espetado, e veja, como ele é uma pessoa que foi atrás da sua identidade e quer se destacar entre os outros, não quer ser comum. Isso eu imagino que você também queira ser.
Mas na maioria das pessoas, vai ser tranquilo achar alguma coisa que você se identifique. Se você ver um cara engravatado, talvez seja só mais um cara indo atrás da carreira dele, dos planos dele. Ou talvez seja só um advogado em início de carreira. Se for uma tia com uma sacola, provavelmente é uma mulher que está na correria pra ter que se sustentar. No fundo, estamos todos lidando com as demandas das nossas vidas utilizando nossos recursos.
Uma coisa que é você pode inicialmente querer sempre se identificar com as pessoas de alto valor do lugar. E isso pode te enganar. Um momento que me baixou o estado foi uma hora que eu estava num ônibus. E nesse ônibus não tinha ninguém muito bonito, nem rico, mas eu ainda assim me forcei a ver como igual a todo mundo. E consegui me ver como igual. Só que isso não me fez feliz no momento, porque eu tive que confrontar a crença que eu tinha que aquelas pessoas eram medíocres, porque se eu era igual a elas eu também estava na mesma categoria. Isso me ajudava a me sentir superior, mas não me ajudava em nada em sentir confortável nem em poder conectar com os outros. E hei, eu estava no ônibus também, com todo mundo dali. Não tinha nada pra me achar nem pra me envergonhar por causa disso.
Enquanto você está fazendo esse exercício, o seu ego vai começar a assoprar na sua orelha, como um diabinho: "Você é melhor do que eles. Você não precisa se sentir ruim. Se você não é tão bom agora, vai se sentir melhor depois. Não se preocupa.". Seria fácil voltar, mas a decisão foi tomada e não quero mais voltar atrás.
Os negros eram pessoas que eu não tinha preconceito e tratava como iguais. Mas será que eu olhava para eles como iguais? Ou eu me forçava a tratar como igual para me sentir não preconceituoso. Aì eu comecei a olhar as pessoas negras na rua e ver o quanto eles passam pelas mesmas coisas e situações como eu.
Um sentimento imenso de relaxamento quando vi que todos tem basicamente a mesma essência, que vai se moldando através das experiências. Todos nascem biologicamente com o cérebro igual, e vão se moldando através dos acontecimentos da vida dependendo das circunstâncias.
Eu criava um ponto cego quando não via isso, porque me colocava na situação dos outros e achava que se eu tivesse na situação do outro, eu faria outra coisa. Talvez faria, mas por ter tido outras experiências, outros conhecimentos. Mas talvez não faria, porque não estava vendo as dificuldades, estava olhando a situação de fora. Olhava com a visão perfeita, porque as pressões da situação não estavam caindo sobre mim. É como ver o médico que fez um erro médico e falar: se eu fosse ele, nunca teria feito isso, teria ficado até várias horas fazendo a cirurgia, não teria feito uma cirurgia estando cansado. Mas talvez ele esteja trabalhando há dias sem dormir, talvez ele esteja sob pressão de várias pessoas. É muito fácil pra eu olhar de fora e dizer que eu faria diferente. Mas só estando na situação pra saber.
Meus pais brigavam. Muito. Faziam barracos em vários lugares, era bem pesado o clima lá em casa. E eu sempre achei a minha família era a que brigava mais. Todos poderiam até brigar, mas a minha brigava mais. Eu achava que era o único.
Ver os outros como iguais ajuda tremendamente para não se identificar com os problemas. Porque você vê que qualquer problema que você tenha, muitas pessoas próximas de você já passaram por isso. Muitas vezes eu via o problema dos outros e criava um ponto cego pra não ver. "Ah, tal pessoa a família pode até brigar, mas nada comparado com as brigas que tem na minha família". "Ah, essa pessoa pode até estar vendo um pouco a realidade, mas eu vejo a realidade muito melhor que os outros". E por aí vai, pra cada inconsistência nesse meu modo de ver, eu criava uma historinha que justificava aquilo.
E essa justificativa foi a origem de tudo isso, porque eu lembro que começou no colégio. O que não começa no colégio? hehe. Porque quando meus pais brigavam ou brigavam comigo e meus irmãos logo pela manhã, eu ia pra aula com um estado horrível, e não conseguia socializar com os outros. E o que o meu cérebro falava: "Não te preocupa, não precisa se sentir diferente. Você só não socializa porque seus pais brigam. Você é melhor que eles nos estudos, é mais inteligente, mais esperto, saca mais as coisas, você é melhor que eles.". Só que isso mais ajudava a me sentir bem do que me ajudava a me sentir igual e poder socializar. Na verdade, me afastava mais ainda dos outros, porque não permitia que eu me visse nos outros. E eu não permitia que os outros me vissem como igual.
O jeito que você trata você é o jeito que você trata os outros, e vice-versa. O jeito que você vê uma pessoa tratando a outra, pode ter certeza que é assim que ela se trata nos bastidores internos, na sua cabeça. À medida que você vai se vendo como igual aos outros, você vai aceitando o outro, e principalmente se aceitando.
Agora eu vejo porque muitas vezes quando alguém estranhava que eu não socializava, não era porque estavam tirando com a minha cara, ou porque queriam que eu me sentisse pior. É porque eles me viam como iguais e não entendiam porque alguém que era igual a eles não queria socializar com eles.
Vendo os outros como iguais, muitos ideais vão se quebrar, porque você não ver aquele seu ídolo ou pessoa que você admira, como alguém sem dificuldades, que passou da mediocridade pra excelência em um pulo, ou mesmo que sempre foi excelente. Você vai começar a se deixar ver os pontos em que aquela pessoa foi fraca, ou não conseguiu fazer o que queria. Eu li a biografia do Marlon Brando, e lia sobre como ele não se achava nada, se achava uma porcaria na verdade, e eu pensava: "nossa, como ele é charmoso, consegue 'mostrar' humildade e um lado humano", ao invés de ver que ele estava realmente sendo humilde e que ele É HUMANO, ORAS! Meu próximo livro a ler vai ser alguma biografia, mas com esse novo par de olhos.
Ver o outro como igual, não quer dizer que todos são objetivamente iguais, porque não somos. Cada qual tem uma experiência de vida. A mudança é em como ver o outro, em que parte do outro você vai focar, naquela em que você é melhor ou pior ou na parte em que você é igual ao outro? Qual parte vai ajudar você mais a se conectar com o outro.
Essas duas visões, entre ver os outros como iguais e ver os outros como melhores/piores é uma decisão pessoal, porque no final das contas, a realidade objetiva é a mesma. É uma questão de decidir qual traz mais benefícios para si, e como isso vai mudar a maneira como você interage com o outro.
Uma dificuldade que eu ainda tenho é de me identificar com as outras pessoas em vários aspectos que eu acho que não tenho. Mas isso acredito que com o tempo eu vou tirando as vendas de cavalo dos meus olhos e vendo a igualdade em todos.
Esse é um tópico de começo de caminho, ainda estou dando os primeiros passos, mas digo que mudou muita coisa na minha cabeça e me trouxe vários choques que eu vou observar aos poucos e mudando meus pontos de vista.
sábado, 12 de abril de 2008
Reconhecendo os iguais
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